O Brasil ficou pequeno

Edição 169

Bancos de investimento faturam com a compra de empresas estrangeiras pelas brasileiras. Desde a assessoria ao financiamento estruturado, mercado está aquecido

A busca pelo mercado externo por parte das empresas brasileiras – que vai além da emissão de dívida e chega à compra de companhias estrangeiras – tem gerado um importante filão para os bancos de investimento, sobretudo os estrangeiros. Nessa nova fase vivida pelas grandes companhias nacionais, e que já começa a alcançar empresas médias, o suporte dessas instituições tem sido fundamental e cada vez mais demandado. O francês BNP Paribas, por exemplo, trabalha neste momento com quatro mandatos ativos de empresas brasileiras que estão de olhos atentos em outras, complementares aos seus negócios, situadas na Europa e Ásia.
Chama atenção que a metade desses mandatos foi conquistada por sugestão de negócio do próprio banco, enquanto a outra parte se deu pelo tradicional processo de concorrência. Mas, para ter atuação ativa é fundamental que o banco tenha presença em vários países e, além de estar sempre atento às informações, conte com uma equipe de analistas qualificada para identificar oportunidades empresariais. Não à toa, o BNP Paribas acaba de constituir uma equipe para Américas de Fusões & Aquisições (F&A) para “Emerging Commodity” – com 25 pessoas e presença no Brasil, México e Estados Unidos –, que engloba setores como energia elétrica, recursos naturais, metais e papel e celulose.
E o banco também trabalha com três mandatos no caminho inverso: de estrangeiras querendo comprar empresas brasileiras. Mas, se no passado esse movimento era mais intenso que o da internacionalização de empresas brasileiras, hoje o cenário já começa a se inverter. Segundo a KPMG, no primeiro trimestre de 2005 cinco empresas de capital majoritário brasileiro compraram empresas de capital majoritário estrangeiro estabelecidas no exterior ou no Brasil, sendo que no primeiro trimestre deste ano esse número pulou para 22. Na mesma comparação de datas, o número de operações de empresas majoritariamente estrangeiras que adquiriram empresas estabelecidas no Brasil foi de 47, contra 28.
O diretor vice-presidente de corporate finance do BNP Paribas, François Legleye, credita o movimento a uma série de fatores, como a busca pela diversificação das fontes de financiamento e por ativos em países de dinheiro mais barato, além de ser uma forma para contornar problemas de concorrência no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Legleye também confirma a consolidação do movimento de transferência do back office das empresas brasileiras para a Europa e sobretudo para a Índia, “país que tem a metade do PIB por habitante da China, porém cujo povo é muito instruído, tem inglês fluente e grande vantagem competitiva”.
Em relação ao setor de F&A, o vice-presidente do BNP Paribas chama a atenção para o interesse na Europa, onde as empresas locais trabalham com custos altos e, portanto, estão dando lugar a produtos importados, como os da China. Nesse contexto, acrescenta, o Brasil leva uma vantagem considerável, uma vez que as empresas brasileiras trabalham com menores custos, por exemplo, no aço, em aviões e em commodities agrícolas, além de terem um maior acesso ao mercado europeu do que os chineses pela facilidade de língua e cultura. Daí o interesse, muitas vezes, das empresas brasileiras em comprarem pontos de distribuição em países como Alemanha, França, Itália e Espanha, cujas economias estão consolidadas.
“As 50 maiores empresas do Brasil têm recebido visitas constantes de bancos propondo negócios em outros países”, diz Legleye. Além da tentativa de conseguir maior presença nos Estados Unidos e da sua boa participação na Europa, o BNP Paribas também atua fortemente na China.
País, inclusive, onde acaba de assessorar a compra de uma mina de carvão, a Henan Longyu Energy Resource, pela Vale do Rio Doce. Negócio de US$ 86 milhões. O vice-presidente não abre o fee dessa assessoria e explica, apenas, que a remuneração desse mercado depende do valor da operação e da ponta em que o banco opera, se na compra ou na venda.
Se na primeira, também se deve levar em consideração se há concorrência e, neste caso, o banco deve ganhar pelo sucesso do negócio e não um porcentual da operação para evitar conflito de interesses.

Financiamentos – Mas os bancos de investimento também têm encontrado um largo caminho não só na assessoria da negociação, mas também nos financiamentos estruturados para que ela se efetive plenamente – sobrando capital para que a empresa invista no negócio. Esse é um dos nichos de atuação do Banco Bilbao Viscaya Argentaria (BBVA), que também tem apostado na internacionalização das empresas. Tanto que o banco espanhol abriu uma área de cash management no Brasil, espécie de administração da tesouraria de empresas, sob o comando de Sidney Oliveira.
Ainda em fase de integração de sistemas com a parceria feita com o banco Bradesco, o sistema de cash management – que, de certa forma, constitui-se na terceira fase de um serviço completo de suporte às empresas; após a assessoria de F&A e os financiamentos – deverá entrar no ar nos próximos meses, segundo informa o representante do banco no Brasil, Alberto Charro. Em F&A, neste momento, o BBVA trabalha com três mandatos de empresas brasileiras, que estão entre as 50 maiores do País e são do setor de insumos básicos, interessadas em comprar companhias estrangeiras. “São empresas que já contam com vantagens competitivas no Brasil e têm capacidade para crescer”, diz o chefe de finanças corporativas da América Latina do banco, Reynaldo Passanezi, ao citar companhias como Tigre, Friboi e Vega que, mesmo não estando entre as marcas mais conhecidas, são líderes em seus mercados no Brasil. “O sucesso doméstico precede o sucesso internacional”, completa o diretor de finanças corporativas do banco, William Grava.
E o banco, assim como o BNP Paribas, também atua na ponta contrária.
Hoje, o BBVA tem dois mandatos de empresas estrangeiras interessadas em negócios brasileiros. Em 2005, o banco espanhol já havia concluído a vinda de outras três empresas estrangeiras ao País e, embora não tenha concluído os mandatos do Brasil para o exterior, o BBVA financiou US$ 500 milhões nessas operações, segundo Charro. “É importante que as empresas brasileiras alavanquem os ativos que estão comprando”. E é nesse momento que os bancos oferecem empréstimos via project finance ou acquision finance, além dos empréstimos sindicalizados. Só em 2005, o BBVA financiou US$ 140 milhões para a expansão da Votorantim Cimentos nos Estados Unidos; US$ 100 milhões para a Ambev comprar uma engarrafadora no Peru; outros US$ 100 milhões investidos no gasoduto Brasil-Bolívia, através da Transierra, entre outras operações – como o refinanciamento de dívidas da Lama Negra, na Argentina, comprada pela Camargo Correia.
Embora nenhum banco revele os prêmios obtidos nessas operações, comenta-se no mercado que a remuneração mínima é de US$ 1 milhão, sendo que operações grandes de F&A e feitas sob medida podem render cerca de US$ 50 milhões. No Brasil, um prêmio de US$ 10 milhões sobre uma transação já é considerado muito bom, sendo que acima disso só se é obtido em operações muito volumosas, acima de US$ 2 bilhões, que não ocorrem todos os dias. Com cifras que saltam aos olhos, é justificável o interesse dos bancos de investimento. “A internacionalização das empresas brasileiras é notória. Há limitações de crescimento no Brasil e quem não seguir essa tendência ficará para trás”, diz o analista do Credit Suisse First Boston (CSFB), Emerson Leite. O presidente do WestLB, Peter Badura, concorda: “nos próximos dois a três anos vejo uma tendência de as grandes empresas brasileiras virarem empresas internacionais”. Só no ano passado, o banco foi underwriting de operações estruturadas no Brasil, em um total de US$ 2,9 bilhões.