Edição 207
No dia 7 de abril de 1988, o Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) editou a Resolução n° 06, que entre outras coisas regulamenta a retirada de patrocínio de planos de benefício. Para a Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão (Anapar), a norma está ultrapassada e precisa ser revista, pois dá brechas para que em alguns casos os direitos dos participantes não sejam respeitados.Segundo a Anapar, isso também acontece em casos de cisão, incorporação ou fusão de planos, em grande parte pelo caráter unilateral das tomadas de decisão.“A previdência complementar não é obrigatória no Brasil. Uma vez que a empresa aderiu ao plano, ela pode retirar o patrocínio quando quiser. O que queremos é que a empresa garanta o direito dos participantes no processo de retirada”, explica José Ricardo Sasseron, presidente da Anapar. “E isso exige uma regulamentação melhor.” Por conta disso, a associação formalizou, em agosto, pedido à Secretaria de Previdência Complementar (SPC) para que não fossem aprovadas novas retiradas de patrocínio enquanto não for votada uma nova norma que dê maior segurança aos participantes. A SPC ainda não se posicionou oficialmente a respeito, mas Carlos de Paula, secretário adjunto da Secretaria, adianta que o pedido é “equivocado”. “Se há a norma que regula a matéria dentro da lei, a Secretaria não pode se esquivar”, explica.Carlos afirma que a legislação atende bem à questão, mas revela que o artigo 33 da Lei Complementar 109, de 2001, está em discussão na SPC.Esse artigo determina que as operações de fusão, cisão e incorporação; as retiradas de patrocinadores; e as transferências de patrocínio dependem de autorização prévia do órgão regulador. Como o tema está em estudo e ainda não existe uma minuta, Carlos preferiu não dar detalhes sobre o assunto. Ele esclarece, no entanto, que este é um aprimoramento natural, que está dentro do processo de atualização das normas (leia mais na página 14). Neste ano, a SPC aprovou 19 pedidos de retirada de patrocínio, dos quais metade era de retirada parcial, feita apenas por uma das patrocinadoras do plano. Na fila, aguardando análise, estão outros 40 pedidos. Segundo Carlos, a crise financeira não aumentou o número dessas solicitações, que está dentro da média dos últimos seis anos.Lúcia Mazará, advogada especialista em previdência complementar do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, confirma a tese, afirmando que não recebeu consultas para esse tipo de processo. “O que vimos foram alguns patrocinadores ajustando contribuições e fundações alterando o regulamento por um período determinado”, conta.Carlos explica que a maioria dos casos de retirada de patrocínio é resultante da reorganização societária das patrocinadoras. Um setor que passou por um processo recente de consolidação e que exemplifica isso é o petroquímico. Só na Petros, fundo de pensão que administra muitos dos planos de empresas desse segmento, Braskem, Ipiranga e Copesul retiraram ou estão em processo de retirada de patrocínio. Newton Carneiro, diretor administrativo da Petros, acredita que a Petroquímica União, cujo plano é administrado pela Petros, também esteja pensando no assunto. “Nós acreditamos que isso vá acontecer, mas ainda não tem nenhum pedido da empresa.” A Ipiranga esclareceu, em nota, que deixou de patrocinar o plano de previdência da Fundação Francisco Martins Bastos por conta da aquisição da companhia pelo Grupo Ultra, em 2007. A empresa passou a patrocinar, então, o Ultra Previ, plano do Grupo Ultra. “Esta mudança foi baseada em uma decisão do grupo de empresas que adquiriu a Ipiranga. A troca dá continuidade aos benefícios de previdência complementar para os colaboradores.” Segundo a Anapar, Aracruz e Esso também estão retirando o patrocínio de seus planos de benefício. A Esso, que patrocina o Previd Exxon, foi adquirida pela Cosan em 2007. Já a Aracruz, uma das patrocinadoras do Arus, foi comprada este ano pela Votorantim Celulose e Papel, que por sua vez patrocina o Votorantimprev, plano administrado pela Funsejem, fundo de pensão do Grupo Votorantim. Procurada diversas vezes, a presidente do Arus Marise Theodoro da Silva Gasparini não falou com a reportagem. De acordo com a advogada Lúcia, a maioria das empresas retira patrocínio de seu plano para oferecer o plano da companhia que a adquiriu.
Caso Braskem – Um dos casos de retirada que é contestado pela Anapar é o da Braskem. A companhia é resultado da fusão de seis empresas, cada uma com seu plano de benefício. Segundo Ricardo Lyra, responsável corporativo por pessoas e organização da Braskem, em 2005 a empresa decidiu retirar o patrocínio de alguns deles e passou a patrocinar o plano de contribuição definida (CD) da Odeprev, fundo de pensão do Grupo Odebrecht, que controla a Braskem. “Os planos tinham contribuições e vantagens diferentes e a empresa entende que todos os funcionários devem ter o mesmo tratamento”, explica Lyra. A retirada de patrocínio do plano de benefício definido (BD) Petros Braskem, da antiga Copene, ilustra bem as reivindicações da Anapar. O processo começou em 2005, quando a Braskem já parou de contribuir para o plano, mas a sua conclusão só se deu em abril de 2009, quando a SPC aprovou a retirada. “A empresa decide retirar o patrocínio e já deixa de contribuir, antes mesmo da aprovação da SPC”, reclama Sasseron. Lyra explica que a companhia definiu a data base a partir da qual nem a patrocinadora nem os participantes contribuíram mais para o plano. “Se não parar [de contribuir] não tem como apurar a reserva de cada participante. Essa é, inclusive, uma orientação da própria Secretaria.” Segundo Sasseron, não está claro na legislação quais os compromissos que a empresa tem durante o processo de retirada. A advogada Lúcia esclarece que este é um ponto em que a legislação deixa dúvida. “Fica um vácuo entre a data de corte estabelecida e a data de aprovação do processo”, afirma. Segundo ela, as empresas costumam optar por contribuir até a aprovação. “Elas calculam as reservas até o valor de corte, e depois fazem a compensação por esse período.” O que não foi o caso da Braskem, que não restituiu esse valor aos participantes, segundo Carneiro. “A lei nesse aspecto é falha, pois não é a partir do pedido, mas sim da aprovação que a patrocinadora deveria parar de contribuir”, avalia.O plano Petros Braskem tinha aproximadamente 1.500 participantes, dos quais 900 assistidos e 600 ativos, segundo Lyra. Ele explica que a Braskem deu aos participantes as três opções previstas na LC 109 e na Resolução 06: o resgate dos recursos, a transferência para qualquer entidade de previdência privada e a manutenção do dinheiro na própria instituição, no caso a Petros, em outro plano. Segundo Carneiro, o prazo para a portabilidade acabou em 30 de agosto e cerca de 380 pessoas foram para o plano CD da Anapar, o ANAPARprev, administrado pela Petros.Em informativo aos participantes, a Associação Beneficente dos Aposentados da Copene-Braskem e Polo (Abaco-Polo) afirma que apontou outros caminhos para a empresa. “Se quisesse, [a patrocinadora] poderia manter o atual plano BD fechado, em processo de extinção, esperando que o último dos participantes morresse. [Mas] não quis, alegou que não queria manter vínculos”, diz o informativo. Contatado pela revista, Antonio Paulo de Oliveira Santos, integrante da comissão da Abaco, não quis dar entrevista, pois a ação que a associação move contra a Braskem ainda não foi encerrada.Lyra, da Braskem, esclarece que na época da aprovação da retirada não havia liminares que a proibissem. Ele ressalta que a retirada do patrocínio foi melhor para os participantes, pois como em 2005 o plano era deficitário, se fosse fechado, o prejuízo seria dividido entre eles e a patrocinadora. No caso de retirada, a legislação prevê que a responsabilidade do déficit é da patrocinadora. A Braskem, porém, não precisou aportar nada no plano, pois em 2009, quando a retirada foi aprovada, o plano era superavitário. “Por conta da rentabilidade conseguida pela Petros com as aplicações, este ano o plano tinha superávit, que foi partilhado entre os participantes”, diz. Segundo Lúcia, outro ponto que a legislação não deixa claro é o caso das pessoas que se tornam elegíveis ao benefício entre a data de corte e a aprovação do processo. “A legislação trata dos participantes ativos e assistidos, mas não dos que se tornam elegíveis nesse período”, afirma.Ela comenta que a legislação trata da retirada de uma forma geral, mas não traz detalhes do procedimento. “O detalhamento vem com os processos. A regra é pela prática”, explica a advogada.Essa é, inclusive, uma das explicações do motivo pelo qual o processo de retirada de patrocínio do plano Petros Braskem demorou tanto. “Ele foi o primeiro processo de retirada da Petros e da Braskem, estávamos aprendendo a fazer. Hoje é mais rápido”, explica Lyra. Segundo Carneiro, a apuração das reservas e a discussão sobre os direitos dos assistidos também levaram tempo. “Na Petros, tentamos negociar um acordo que desse uma saída para os assistidos. Sugerimos que eles ficassem num plano sem patrocinador, um CD com características de vitalício, mas a SPC não aceitou”, comenta o diretor da Petros.
Direito adquirido – Essa é também uma questão em que a Anapar bate o pé: a do direito adquirido, que segundo a associação não foi respeitado, principalmente no caso dos assistidos. “As reservas a que tinham direito não eram suficientes para garantir, em outro plano, um benefício no mesmo nível que detinham no plano da Braskem”, afirma Sasseron.Carneiro, da Petros, reforça: “acreditamos que as pessoas que já estão em gozo do benefício não deveriam perder as garantias que tinham antes da retirada de patrocínio de um plano BD.” Para o presidente da Anapar, a legislação não deixa claro o que seria o direito adquirido. Já a patrocinadora entende o direito dos participantes como sendo outro, sobre os recursos, e não sobre o benefício: “O direito adquirido é com relação ao recurso que o participante tem no plano, e o direito ao valor da reserva todos os participantes receberam”, afirma Lyra, da Braskem.Lúcia entende que a questão do direito adquirido é clara na LC 109 e na Resolução 06. “Ele também está sedimentado na Justiça, com casos de jurisprudência específicos na área de previdência.” Explicando que não quer politizar o tema, já que a SPC é um órgão técnico, Carlos de Paula se limitou a dizer que o direito adquirido está previsto na legislação e que o arcabouço legal atual é suficiente para que os técnicos aprovem os pedidos dentro da legalidade. Não se pode confundir relação trabalhista.