Apropriação indébita na capitalização do fundo carioca | Paulo Bo...

Edição 67

Os jornais do final de outubro informaram que o Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, e o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, acertaram as bases de um acordo de renegociação da dívida do Estado que inclui a capitalização do Fundo Rioprevidência com recursos de duas fontes distintas: 2,5 bilhões como antecipação dos royalties do petróleo e 2,3 bilhões provenientes da Conta A da Caixa Econômica Federal, destinada à garantia dos compromissos assumidos com os antigos participantes da Previ/Banerj. Alega o governo que o Estado pode dispor desses recursos uma vez que paga os juros correspondentes ao empréstimo que lhe deu origem. Relembrar as razões que levaram o governo federal a optar pela abertura da referida Conta A ajuda a entender o equívoco do governo estadual quanto à disponibilidade daqueles valores.
Em fins de 1996, a Previ/Banerj apresentava elevado déficit atuarial, que era de responsabilidade do seu patrocinador. Com a liquidação do Banerj (banco velho) e com o objetivo de privatizar o banco estadual (banco novo), o Estado do Rio de Janeiro, seu principal acionista, assumiu todos os compromissos previdenciários e trabalhistas em relação aos participantes do fundo de pensão. Como não dispunha de recursos, o Estado solicitou empréstimo junto ao governo federal para poder cumprir essa obrigação.
Pretendia o Estado, já naquela época e ainda no mandato do governo anterior, gerir não apenas os recursos do empréstimo, mas também os originários do patrimônio da Previ/Banerj. Em troca, assumiria, via tesouro estadual, a responsabilidade de pagar as complementações de aposentadorias, sob a forma de renda mensal. Essa “fórmula” contudo não prosperou pelas seguintes razões principais: a) encontrou resistência dos participantes, que não concordaram em ficar vinculados ao Estado sem garantias de que haveria recursos para o pagamento de suas aposentadorias; b) encontrou resistência da Secretaria de Previdência Complementar, que não concordava com a transferência para o Estado da responsabilidade pelo pagamento de suplementações de aposentadorias do setor privado; c) encontrou resistência do Banco Central e do Ministério da Fazenda, além dos participantes, que não concordaram em entregar recursos do Tesouro Nacional nem da entidade previdenciária para o Estado gerir; d) encontrou resistência de todos os possíveis candidatos à compra do Banerj (muitos dos quais, aliás, desistiram no caminho), que sabiam de sua responsabilidade, como sucessores, sobre o déficit da Previ/Banerj e os direitos de seus participantes.
A saída encontrada foi a negociação desses direitos entre os participantes e o Estado, afinal consubstanciada em dois contratos de assunção de obrigações e negócio jurídico que o Estado do Rio de Janeiro assinou: um com a Previ/Banerj, relativo aos direitos previdenciários, e outro com o Banco do Estado do Rio de Janeiro S.A., correspondente aos direitos trabalhistas. A esses contratos aderiram os detentores daqueles direitos que assim desejaram, através de contratos individuais denominados termos de adesão.
Todos esses instrumentos contêm cláusulas e condições que fazem parte do acordo fechado entre as partes, e que, por óbvio, não podem ser modificadas unilateralmente por uma delas, por mais nobres que sejam seus propósitos. Além disso, as obrigações estabelecidas nesses contratos foram condição sine qua non para a concretização do negócio. Sem elas, a SPC não teria autorizado nem os participantes teriam concordado com a transferência (sub-rogação) de direitos, o Senado Federal não teria aprovado o empréstimo que deu origem à Conta A, o Liquidante da Previ/Banerj teria dado ênfase ao prosseguimento da Ação Monitória que cobrava do Banco a cobertura do déficit e, finalmente, o Banco Itaú não teria comprado o Banerj.
A tentativa de o governo estadual utilizar os recursos da Conta A para fins diversos daqueles a que se destinam, legal e contratualmente, é compreensível; a concordância do Ministério da Fazenda, entretanto, representa mudança completa (e radical) de entendimento sobre o assunto. Contudo, a efetivação da medida caracterizará o estabelecimento de novas premissas e condições negociais, o que, de um lado, poderá abrir espaço para que milhares de ex-participantes, que efetuaram o saque de suas reservas de poupança, pleiteiem nova condição e, de outro lado, dependerá da mudança de uma situação jurídica consolidada, que envolve cerca de 15.000 contratos e, obviamente, não poderá ser feita de forma unilateral sem esbarrar no crivo do Poder Judiciário.

Paulo Borges e Ruy Bessone é especialistas em gestão de fundos de pensão e consultores do Sindicato dos Bancários/RJ e da Federação dos Bancários/RJ-ES