Crescimento só começou

Edição 194

Daniel Citron fala sobre o setor imobiliário brasileiro

Com US$ 600 milhões investidos no setor imobiliário brasileiro durante 2007 e metade de 2008, a Tishman é uma das maiores empresas a atuar nesse segmento. Ela tem trazido ao País dinheiro de investidores estrangeiros interessados em repetir no Brasil os mesmos níveis de ganhos registrados em outros países, como o Leste Europeu, que tiveram grandes altas no setor imobiliário em consequência das políticas de estabilidade macroeconômica adotadas. A empresa, que se prepara para captar um volume de cerca de US$ 1 bilhão para aplicar nesse segmento, diz que os fundos de pensão deveriam investir mais no segmento. “Acho que as fundações deveriam se reposicionar nesses ativos, aproveitando que conhecem bem esse mercado e que para elas o custo é menor. Deveriam tentar tirar proveito dessa perspectiva de crescimento, pois hoje quem está fazendo isso são os estrangeiros”, analisa o presidente da empresa no Brasil, Daniel Citron.
Em entrevista exclusiva a Investidor Institucional, ele fala que a crise do mercado imobiliário pode ajudar a trazer recursos de investidores para o Brasil e que muita coisa relativa a essa crise ainda é desconhecida. “Muita coisa ainda pode estar por vir”, analisa ele nas próximas páginas. Veja os principais trechos da sua entrevista:

Investidor Institucional Quais são as perspectivas para o setor imobiliário no Brasil?
Daniel Citron – O setor imobiliário no Brasil está no início de um longo ciclo de crescimento, num patamar completamente diferente do que estava há dois, três anos atrás. E, a menos que haja um grande trauma internacional pelo agravamento da crise no mercado imobiliário dos Estados Unidos com quebra de grandes bancos, ou um grande trauma local pela perda do controle sobre a inflação – o que me parece que não vai ocorrer, porque o Banco Central está atento –, esse ciclo de crescimento do mercado imobiliário vai ser longo.

IIPorque os estrangeiros estão investindo em imóveis no Brasil?
DC – Porque eles percebem um movimento macroeconômico e político que é muito similar ao que ocorreu em outros lugares onde eles investiram e ganharam antes. Quando os juros reais caíram abaixo de 10%, quando a inflação ficou alguns anos abaixo de dois dígitos, quando o superávit começou a aumentar eles se deram conta que o Brasil atravessava um momento que era muito parecido com o que os países do leste europeu, por exemplo, tinham atravessado e que desencadeou uma enorme valorização do setor imobiliário por lá. Por isso, eles começaram a investir aqui há uns três anos. O Brasil era uma jóinha escondida no meio dos mercados emergentes, todo mundo falava de Bric mas só olhavam para o “Ric”, ninguém olhava para o “B”. Agora, de um ano e meio para trás, virou moda investir no Brasil.

IIQuem são os estrangeiros que estão investindo no Brasil?
DC – Tem investidor de todos os tipos: investidor público, investidor privado, fundos de pensão, fundos soberanos, famílias ricas, fundos individuais, gestores de fortunas. Eles estão investindo no setor imobiliário mas também estiveram muito ativos nos últimos IPOs, pois 70% ou 75% dos recursos captados pelas pequenas empresas que abriram capital vieram de investidores internacionais.

II O Brasil está num momento crucial. Por um lado tem o investment grade, que pode atrair mais investidores, e por outro lado tem a crise imobiliária americana que pode afastá-los. O que vai prevalecer?
DC – Primeiro, quero dizer que era mais gostoso dizer aos investidores que o Brasil ia ganhar o investment grade do que dizer que já ganhou, porque agora não tem mais nada para esperar. O prêmio já foi dado. Então, temos o investment grade a nosso favor e ao mesmo tempo temos a crise imobiliária americana levando os grandes investidores imobiliários a procurarem alternativas de aplicação fora dos Estados Unidos e da Europa, que são os lugares que mais sofreram com essa crise. Nós podemos ser essa alternativa. Na verdade, acho que a crise imobiliária americana é indutora de novos investimentos no Brasil, e não o contrário.

IIMesmo com o tanto de dinheiro que está sendo queimado no mundo por causa dela?
DC – Bem, claro que a liquidez do sistema vai diminuir. Já diminuiu. Os bancos americanos perderem mais ou menos meio trilhão de dólares no último ano, esse dinheiro derreteu, simplesmente virou pó, fumaça. E ninguém garante que isso é tudo. Na medida em que a liquidez diminui, e associado a isso há uma perda muito significativa em crédito, você acaba tendo menos dinheiro para investir no setor imobiliário. Isto sim vai nos afetar.

II O que aconteceu no mercado imobiliário americano, para se chegar à situação a que se chegou?
DC – O que aconteceu, claramente, foi um excesso de alavancagem da economia americana como um todo, associado a uma total despreocupação com a saúde da economia deles. O coração do problema é o seguinte: os Estados Unidos vêm crescendo desde a década de 1970 tendo como grande alavanca de crescimento o setor imobiliário, especialmente o residencial, e em menor escala também o comercial. Do meio da década de 1970 até agora, com uma pequena interrupção no final dos anos 1980, houve um movimento contínuo de valorização do setor imobiliário, baseado no volume de empréstimos e de financiamentos que havia. Então, as pessoas que tinham financiado as suas casas, quando viam os valores dos imóveis crescendo, iam aos bancos e pediam mais US$ 100 mil pois o seu apartamento que valia US$ 500 mil passava a valer US$ 600 mil. Então, ele financiava mais US$ 80 mil em cima do que já tinha e usava esse dinheiro para outras coisas. E no outro ano fazia isso de novo, e de novo e de novo…

II Quer dizer, o refinanciamento imobiliário entrou no orçamento das famílias?
DC – Sim, e os bancos geraram créditos que podiam ser securitizados, e as securitizações foram empacotadas em derivativos. Enfim, isso virou uma grande máquina que acabou sendo a fonte de investimentos para gente do mundo inteiro. Obviamente, em algum momento, alguém foi olhar o que tinha dentro daqueles pacotes e descobriu que tinham muitos créditos de baixa qualidade, créditos que tinham sido oferecidos a compradores sem histórico, a gente que não tinha nem emprego. Esse é o famoso sub-prime. É o crédito que não é de primeira qualidade, mas estava empacotado junto. Então começou uma enorme reprecificação desses ativos, de todos esses derivativos que tinham dentro deles créditos que estavam avaliados como sendo de ótima qualidade e que na verdade não eram.

II O que vai acontecer agora?
DC – Bem, antes nós falávamos que essa era a pergunta de um milhão de dólares. Agora, já é a pergunta de um trilhão de dólares. Mas o fato é que crise já gerou uma enorme perda em bancos de investimentos, acabou afetando a concessão de financiamentos e os preços dos imóveis já começou a cair. A roda começou a gerar no sentido oposto. O que vimos até agora foi o efeito dessa crise no setor financeiro, mas ainda não começamos a ver o efeito dessa crise na rua, na vida das pessoas. E isso vai acontecer. Já tem gente indo ao banco e devolvendo a casa porque o valor do imóvel é menor do que a dívida. O Federal Reserve está dando muito apoio, criando linhas especiais para refinanciamento de imóveis, mas nós não sabemos se ele vai conseguir conter.

IIQual o tamanho do prejuízo?
DC – Não sabemos exatamente o tamanho, mas é de vários trilhões de dólares, que é o tamanho do setor hipotecário americano. Os bancos, até agora, perderam mais ou menos US$ 400 bilhões. E, por enquanto, foi só uma reprecificação de papéis que estavam avaliados de forma incompatível com o seu risco.

II O que os investidores devem estar olhando, já que nem com todo o apoio do Fed as desconfianças diminuem?
DC – Primeiro, se os bancos já conseguiram limpar os seus balanços. Em segundo lugar, o impacto real dessa crise na economia. As pessoas percebem que estão menos ricas e gastam menos. O sujeito que tem uma casa que achava que valia US$ 1 milhão, que agora só vale US$ 750 mil, não se sente tão rico como há um ano. E o pior, a casa vale US$ 750 mil mas ele ainda está devendo US$ 800 mil. Para piorar, o plano de aposentadoria dele, que era baseado em ações e em uma série de outros ativos, também perdeu valor. Então, como a população ficou mais pobre, isso deve traz queda no consumo e aumenta o risco de recessão.

IIOs grandes investidores podem começar uma onda de desinvestimento no setor?
DC – Vou contar uma história para responder a essa pergunta. Nós fizemos, recentemente, uma conferência da Tishman em Milão reunindo investidores institucionais da Europa e Oriente Médio. Como estávamos em plena crise do sub-prime, fizemos um painel colocando na mesa, como debatedores, os institucionais. Uma das pessoas da platéia perguntou à mesa: “Vocês acham que a crise acabou ou o setor imobiliário ainda vai sofrer muito?” A resposta unânime foi, claramente, que a crise não acabou e muita coisa ainda está por vir. Uma segunda pergunta foi: “Se eu me oferecesse, hoje, para comprar toda a sua carteira de imóveis com 10% de desconto, você vendia?” A resposta unânime foi não. Isso parece um contra-senso, porque se todo mundo achava que a crise iria piorar porque não vendiam com desconto de 10%? Isso foi perguntado e a resposta mais ouvida foi: “Se eu vendesse, o que eu iria fazer com o dinheiro? Aonde iria investir? Em papéis de bancos de investimentos?” Quer dizer, embora haja uma percepção de que as coisas possam piorar, pode ser que o mercado imobiliário acabe se transformando, principalmente na área comercial, em um dos últimos portos seguros.

II Quanto o valor dos imóveis já caiu nos Estados Unidos?
DC – Ainda caiu pouco. Em Nova York não chega nem a 10%, mas tem certas regiões específicas, como Seattle e Miami, que foi uma catástrofe porque o pessoal exagerou no volume de novos desenvolvimentos. Nessas regiões a queda chegou a 30%, o que levou tudo porque como o cara financiou 80% então ele já está devendo mais do que ele tem.

II Enquanto o mercado imobiliário despenca nos Estados Unidos, no Brasil o setor vai de vento em popa. Quanto o mercado imobiliário já subiu por aqui?
DC – Subiu muito pouco ainda. Se você lembrar que, há sete, oito anos a Bovespa estava em 6 mil ou 7 mil pontos, e hoje, com toda a queda está em 55 mil pontos, podemos ver que o setor imobiliário subiu muito pouco. O mercado imobiliário, se subiu 50%, 60%, 70% nesse mesmo período, é muito. O mercado imobiliário só começou o movimento de crescimento.

IIO que pode atrapalhar esse ciclo de alta?
DC – Só a subida das taxas de juros. A razão pela qual os imóveis não subiram mais nos últimos anos é porque, sem financiamento, é muito difícil conseguir alavancar esse mercado. E agora, quando os juros começam a chegar a níveis aceitáveis e as pessoas começam a tomar financiamento de longo prazo, os juros voltam a subir. O Banco Central está fazendo bem em subir de novo os juros, por causa da inflação, mas se esse movimento se acentuar muito pode interromper a alta do setor imobiliário.

II Porque os fundos de pensão ficaram de fora desse mercado nesse momento de alta?
DC – Os fundos de pensão estavam se adaptando à nova legislação, diminuindo o limite de 20% para 8%. Muitos deles tinham realmente que se adaptar, mas muitos poderiam ter entrado. Só que eles não tinham massa crítica para entrar, ou tinham comprado mal no passado e estavam machucados. Teve muita bobagem que foi feita no passado.

IIHoje o preço não está alto demais para entrar?
DC – Hoje o mercado está em outro patamar e é difícil para as fundações, que ficaram fora do setor por anos, aceitarem essa mudança. Elas tinham um conhecimento acumulado desse mercado durante décadas e agora percebem que, de repente, os imóveis estão 50% mais caros. Mas isso não é um grande problema pois o horizonte delas é de longuíssimo prazo, então acho que deveriam se reposicionar nesses ativos aproveitando o fato de conhecerem bem o mercado e que o custo para elas é menor. Deveriam tentar tirar proveito dessa perspectiva de crescimento, pois hoje quem está fazendo isso são os estrangeiros.

IIA Tishman sempre atuou no segmento de imóveis para uso comercial, porque resolveu entrar no setor residencial no Brasil?
DC – Entramos no mercado residencial do Brasil por dois motivos. Primeiro, em 2002 estávamos passando pela maior crise do setor de imóveis comercial da história de São Paulo, talvez do Brasil, que foi logo após a crise da Argentina e a primeira eleição do Lula. O movimento de locação de espaços nesse setor simplesmente parou durante dois anos, então nós percebemos que no mercado residencial, apesar de ser pequeno, não havia essa crise. O volume de vendas continuava acontecendo e produtos de boa qualidade, com bom conceito, tinham mercado. Foi aí que nós aprovamos, até como laboratório da nossa organização, montar um negócio residencial no Brasil. Isso foi no finalzinho de 2003 e a experiência foi tão bem sucedida que a empresa acabou assumindo o setor residencial como parte do seu negócio em outros países. Hoje na China, na Índia, e até nos Estados Unidos, nós temos uma operação residencial bem forte.

II E como está hoje o setor de imóveis comerciais?
DC – Nós retomamos nossas atividades nesse setor a partir de 2005 e hoje somos, possivelmente, o maior desenvolvedor de produtos comerciais do Brasil. Estamos desenvolvendo mais de meio milhão, acho que cerca de 650 mil metros quadrados de escritórios no Brasil.

IIDe onde vêm os recursos para bancar esses desenvolvimentos?
DC – De grandes investidores com interesse em aplicar no Brasil. Criamos nosso Fundo Brasil, um veículo exclusivo para financiar nossas operações aqui. Saímos para captar US$ 300 milhões e acabamos fechando o fundo com US$ 600 milhões em outubro do ano passado. Esses recursos foram investidos durante 2007 e 2008 em nove projetos que identificamos e adquirimos. Possivelmente, vamos ter que captar novamente para financiar o crescimento da empresa daqui para a frente.

IIComo vai ser essa nova captação?
DC – Não sei dizer ainda. Na verdade, nós temos várias alternativas, temos vários investidores que nos acompanham já há muitos anos… Podemos fazer um outro fundo voltado a esses investidores ou a outros, podemos fazer um pequeno clube investimentos ou podemos trazer investimento direto na nossa matriz. Nós estamos ainda avaliando qual é a melhor alternativa.

II De quanto deve ser essa operação?
DC – Nós achamos que, para os próximos anos, devemos precisar de cerca de US$ 1 bilhão. Deve ser nesse nível. É enorme o interesse dos investidores por novas oportunidades de investimento aqui, eu tenho visitado gente, inclusive para falar do primeiro fundo, e tenho sentido um interesse enorme.

II Quem vocês têm visitado?
DC – Temos visitado os investidores do nosso primeiro fundo, até para dar satisfação de como está indo, porque o investimento desse primeiro fundo foi muito rápido. E no meio dessas visitas estamos vendo que o interesse deles continua grande. Eles investiriam mais, se fosse o caso.